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2017-07-04

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La encíclica del Papa Francisco Laudato Si, ha demarcado un posicionamiento socioambiental de la iglesia católica por el compromiso con la vida y la armonía en el planeta. Desde un enfoque holístico se comenta la fuerza que tiene la naturaleza como fuente de revelación divina así como de espiritualidad, que no puede ser otra que una espiritualidad ecológica.

  1. Introdução 

A encíclica socioambiental do papa Francisco é um documento que, além de sua profunda conotação ecológica, traz um enfoque novo para a espiritualidade cristã. A começar do subtítulo: “Sobre o cuidado da casa comum”. Há toda uma teologia sobre o cuidado. Leonardo Boff dedicou ao tema várias obras[1]. Cuidar de si mesmo, do próximo e da obra de Deus é a primeira exigência bíblica. A Criação foi entregue aos nossos cuidados. Os evangelhos retratam Jesus como o homem que cuida dos enfermos, dos excluídos e dos pobres, e elogia quem também o faz, como o bom samaritano e o centurião romano empenhado em cuidar de seu servo enfermo. A “casa comum” é o Universo do qual somos frutos e, em especial, a Terra, morada dos humanos e de inúmeras formas de vida. Nosso planeta tornou-se sacrário pela encarnação de Deus em Jesus de Nazaré.

  1. Uma Ecologia Holística

A encíclica homenageia São Francisco de Assis, evocando sua fraternura para com toda a Criação, do mais simples inseto às esplendorosas estrelas. Ao dedicar o documento ao santo do qual tomou o nome, o papa ressalta que ele vivia “numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo mesmo” (10).

A espiritualidade holística do jovem de Assis abarcava todos os seres, identificando neles, como imagem projetada no espelho, a face do Criador. O papa ressalta que a Terra é a nossa mãe (Pachamama) e nossa irmã, pois tudo que há nela, inclusive nós homens e mulheres, resulta de 13,7 bilhões de anos de evolução do Universo[2].

Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos” (2), diz o documento pontifício. A Terra está doente, contaminada pelo uso irresponsável de agrotóxicos; pela poluição do solo, do mar e do ar; pelo desmatamento criminoso; pela exploração predatória de seus recursos. Por si mesmo já não é capaz de se recuperar. Sua única salvação é a urgente intervenção humana[3].

“Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa Terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores de parto’” (Romanos 8, 22), clama o papa ecoando a expressão paulina (2).

Curioso Francisco encarar a Terra como um ser “oprimido e devastado”. A vida espiritual modifica o nosso modo de olhar as pessoas e a Criação. O capitalista ambicioso mira o planeta como fonte de recursos capazes de multiplicar a sua riqueza. O papa, nos passos de Francisco de Assis, o vê como merecedor de amor, veneração e cuidado. “Um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus” (8).

Teilhard de Chardin, citado como referência na encíclica (83), foi quem ressaltou, na linha da teologia paulina, a dimensão holística (pleroma) do Corpo de Cristo[4]. Este é formado, não apenas por quem segue os preceitos evangélicos, mas também pelo conjunto da Criação. O papa enfatiza: “O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos” (2). A dimensão holística consiste exatamente em “ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado” (5). Francisco repete a mesma ideia com outras palavras: “o divino e o humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no último grão de poeira do nosso planeta” (9).

  1. Uma Espiritualidade socialmente abrangente

Viver é uma experiência eucarística. De comunhão permanente. Não podemos “considerar a natureza como algo separado de nós ou uma mera moldura de nossa vida” (139). O oxigênio que aspiramos e nos mantém vivos nos é fornecido pelas plantas e plânctons. A cada vez que expiramos alimentamos as plantas e os plânctons com gás carbônico. Ao sentar à mesa para comer, nos servimos de vegetais, cereais, animais (frango, peixe ou carne de boi) que morreram para nos dar vida…

Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e consumo, nas estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades” (5). Isso porque “não podemos deixar de considerar os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoas” (43).

Eis a dimensão política da espiritualidade. Não se trata de cuidar apenas de nossa vida interior. O Evangelho nos exige mais: “cuidar e melhorar o mundo” (5). Isso requer mudanças, não apenas em nosso estilo de vida, muitas vezes baseado no consumo de produtos por cuja origem e qualidade não indagamos, mas também mudar “modelos de produção e consumo” consolidados em “estruturas de poder” (5).

Francisco nos alerta: não basta constatar as consequências das estruturas da sociedade em que vivemos, como a desigualdade social e a degradação ambiental. É preciso conhecer as causas. Pois “a deterioração do meio ambiente e da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta. (…) os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres” (48). Aqui a dimensão holística adquire um caráter social: “Tudo está inter-relacionado e o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros” (70).

A encíclica é um documento socioambiental. Nela estão interligadas o cuidado com a Casa Comum e a defesa dos direitos humanos: “Deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos do que outros” (90). “(…) Toda a abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos” (93).

  1. A Natureza como fonte de revelação divina

Nenhuma encíclica é tão poética como a “Louvado Sejas”. Expressões como esta soam como um salmo pós-moderno: “Todo o Universo material é uma linguagem de amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é caricia de Deus” (84).

Aprendemos no catecismo que as fontes da revelação divina são a Palavra de Deus (a Bíblia), o magistério eclesiástico e a tradição da Igreja. Agora o papa Francisco acrescenta uma quarta: a natureza. “Ao lado da revelação propriamente dita, contida nas Sagradas Escrituras, há uma manifestação divina no despertar do sol e no cair da noite” (85).

E uma das mais expressivas manifestações dessa convicção é o cântico “Louvado sejas” de São Francisco de Assis, que dá nome à encíclica. Nele se refletem os salmos que glorificam a natureza como reflexo da face divina[5]. Nesse sentido, vale afirmar que o papa nos oferece um documento panteísta, de quem vê em toda a Criação a presença de Deus. Ao contrário dos panteístas, que consideram que tudo é Deus.

  1. Por uma espiritualidade ecológica

A encíclica culmina no capítulo “Educação e espiritualidade ecológicas”, que nos exige “apontar para outro estilo de vida”. Isso significa fazer uma verdadeira reflexão penitencial: a educação em nossos colégios católicos incute o cuidado com o planeta, unido à defesa dos direitos dos mais pobres? É uma educação crítica ao consumismo? Uma educação que ensina a evitar o supérfluo? “Dado que o mercado tende a criar um mecanismo consumista compulsivo para vender seus produtos, as pessoas acabam por ser arrastadas pelo turbilhão de compras e gastos supérfluos. O consumismo obsessivo é o reflexo subjetivo do paradigma tecnoeconômico” (203).

O papa Francisco nos propõe uma nova postura diante da vida e do mundo, de despojamento e simplicidade “quanto menos, tanto mais” (222). Ele nos propõe adotar pequenos cuidados, como economizar água, apagar a luz, orar antes e depois das refeições etc.

“O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade de uma palavra gentil, de um sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos cotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo” (230). 

  1. Bases de uma Espiritualidade Ecológica

O que seria uma espiritualidade ecológica? Suas linhas centrais estão bem definidas na encíclica:

  • Uma espiritualidade integral

Crítica ao ascetismo exacerbado, platônico (que contrapõe o espírito ao corpo), distante do Evangelho:

“Temos de reconhecer que nós, cristãos, nem sempre recolhemos e fizemos frutificar as riquezas dadas por Deus à Igreja, nas quais a espiritualidade não está desligada do próprio corpo nem da natureza ou das realidades deste mundo, mas vive com elas e nelas, em comunhão com tudo o que nos rodeia” (216).

A crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (217), sublinha o papa. E prossegue: “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial de uma existência virtuosa” (217), como foi o exemplo de São Francisco de Assis[6].

  • Uma espiritualidade de reconciliação com a Criação

“Para realizar essa reconciliação, devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de que modo ofendemos a criação de Deus com as nossas ações e com a nossa incapacidade de agir. Devemos fazer a experiência de uma conversão, de uma mudança de coração” (218).

Cada um de nós é responsável pelo cuidado com a casa comum. O que pode parecer um simples gesto irresponsável, como jogar um papel na rua, pode ter consequências sérias, entupindo bueiros e propiciando enchentes em épocas de chuva. Separar seletivamente o lixo, cultivar hortas orgânicas, reutilizar a água do banho ou captar água da chuva são maneiras de reverenciar a natureza e declarar amor ao próximo.

  • Uma espiritualidade crítica ao consumismo

“A espiritualidade cristã propõe uma forma alternativa de entender a qualidade de vida, encorajando um estilo de vida profético e contemplativo, capaz de gerar profunda alegria sem estar obcecado pelo consumo” (222).

A sociedade capitalista neoliberal na qual vivemos estimula, para alavancar o lucro, o consumo desenfreado. Os produtos, com durabilidade efêmera, são periodicamente reclicados; a moda induz à compra do supérfluo; a publicidade intensiva nos torna vulneráveis a adquirir o que não necessitamos realmente. Libertar-se do consumismo é uma exigência dessa espiritualidade que os Franciscos (o santo e o papa) nos propõem. E devemos incentivar as crianças e jovens a, periodicamente, esvaziarem suas gavetas e armários para dar o que lhes sobra a quem de fato necessita.

  • Uma espiritualidade capaz de cuidar da natureza e do bem comum

“A paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum, porque, autenticamente vivida, reflete-se num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade de vida” (225).

Jesus viveu em uma sociedade conflitiva e ele mesmo esteve todo o tempo envolvido em conflitos: o infanticídio promovido pelo rei Herodes; a fuga para o Egito; o assassinato de seu primo João Batista; as discussões com fariseus e saduceus; sua prisão, tortura, julgamento e morte na cruz. No entanto, desfrutava de paz interior. Paz que decorre na confiança em Deus, do serviço desinteressado ao próximo, da capacidade de manter os olhos bem abertos para contemplar “os lírios do campo”.

  • Uma espiritualidade contemplativa

“Uma ecologia integral exige que se dedique algum tempo para recuperar a harmonia serena com a Criação, refletir sobre o nosso estilo de vida e os nossos ideais, contemplar o Criador, que vive entre nós e naquilo que nos rodeia e cuja presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada” (225).

Vivemos em uma sociedade acelerada. Ansiosas por se conectarem com redes de amigos, as pessoas ficam sempre atentas ao telefone, incapazes de se desligarem do afluxo de contatos e notícias. Isso corrói a vida interior, dificulta a oração e a concentração, esgarça a subjetividade. É preciso saber ser dono do próprio tempo. Não confundir urgência com importância. Estabelecer prioridades, buscar o silêncio e a comunhão com a natureza, deixar que Deus “ore” em nós.

  • Uma espiritualidade de profundo senso comunitário

“É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos” (229).

Quantas vezes nos queixamos da comunidade na qual estamos inseridos – família, vida religiosa, paróquia, instituição – sem nos perguntarmos “o que devemos fazer para melhorar a convivência?” Agimos confortável e egoisticamente pela omissão, e não pela atuação transformadora e integradora. Toda comunidade é um corpo da qual, como acentua São Paulo (1º Coríntios 12), cada um que ali se encontra é membro ativo e importante.

  • Uma espiritualidade cidadã e política

“O amor, repleto de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também as macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos. Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal de uma ‘civilização do amor’” (231).

O cristão não pode aceitar uma sociedade que põe a competitividade acima da solidariedade; a apropriação privada das riquezas acima dos direitos humanos; a degradação da natureza acima do equilíbrio da comunidade de vida. A espiritualidade não é um exercício intimista de confortável relação com Deus. A exemplo de Jesus, ela tem efeitos sociais, políticos e econômicos. Pois não se trata de abraçar uma salvação individual, indiferente a quem tem fome, sede, está nu ou enfermo (Mateus 25). A proposta de Jesus é assumirmos o compromisso com o seu Reino “venha a nós o vosso Reino”. E não o contrário. Portanto, empenhar-se para construir a “civilização do amor”, na qual toda forma de egoísmo, sobretudo estrutural, seja erradicado, como os fatores que favorecem a desigualdade social.

  • Uma espiritualidade eucarística

“A Criação encontra a sua maior elevação na Eucaristia. A graça, que tende a manifestar-se de modo sensível, atinge uma expressão maravilhosa quando o próprio Deus, feito homem, chega ao ponto de fazer-se comer pela sua criatura. No apogeu do mistério da Encarnação, o Senhor quer chegar ao nosso íntimo através de um pedaço de matéria” (236).

“Fazei isto em minha memória”, o sacerdote repete, na missa, as palavras de Jesus. Fazer o quê? A consagração do pão e do vinho? Ora, Jesus nos pediu muito mais: fazer o que ele fez – a vontade de Deus no amor ao próximo e à natureza. Portanto, só deveria se sentir no direito de se aproximar da mesa eucarística quem faz o que fez Jesus – dar o seu corpo e o seu sangue para que outros tenham “vida e vida em abundância” (João 10, 10).

  • Uma espiritualidade trinitária

“As Pessoas divinas são relações subsistentes; e o mundo, criado segundo o modelo divino, é uma trama de relações. As criaturas tendem para Deus; e é próprio de cada ser vivo tender, por sua vez, para outra realidade, de modo que, no seio do Universo, podemos encontrar uma série inumerável de relações constantes que secretamente se entrelaçam” (240).

Cremos em um Deus comunitário – Pai, Filho e Espírito Santo. Toda vez que perdemos a dimensão trinitária da espiritualidade cristã, corremos o risco de cair no fundamentalismo. Quem prioriza o Pai tende a uma espiritualidade autoritária, conservadora. Quem realça apenas o Filho, tende à militância vazia de oração. Quem abraça preponderantemente o Espírito Santo, pode se transformar em um carismático verticalista, cego às exigências de justiça da fé cristã.

  • Uma espiritualidade mariana

“Maria, a mãe que cuidou de Jesus, agora cuida com carinho e preocupação deste mundo ferido. Assim como chorou com o coração trespassado a morte de Jesus, também agora se compadece do sofrimento dos pobres crucificados e das criaturas deste mundo exterminadas pelo poder humano” (241).

A espiritualidade mariana deve estar apoiada em dois pilares: o Magnificat (Lucas 1, 46-55), no qual Maria entoa seu compromisso com uma espiritualidade libertadora, que “derruba os poderosos de seus tronos e promove os humildes, enche de bens os famintos e despede os ricos de mãos vazias”, e no apoio incondicional que ela deu à missão arriscada de seu filho Jesus.

 

Referência

Papa Francisco (2015): LAUDATO SI’, mi’ Signore – Louvado sejas, meu Senhor» Carta Encíclica sobre o cuidado da casa comum.

Autor: Frei Betto.  Frade dominicano, estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia. É assessor de movimentos pastorais e sociais. Escreve para vários veículos de comunicação. Autor de 60 livros, dentre os quais: “Um Deus muito humano – um novo olhar sobre Jesus” (Fontanar, 2015)

Para leer más puedes acceder al Libro Siembras del buen vivir: Entre utopías y dilemas posibles. ALER, Asociación Latinoamericana de Educación y Comunicación Popular (2016). Quito – Ecuador


  • [1] Cf. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis, Vozes, 1999 e O cuidado necessário. Petrópolis, Vozes, 2012.
  • [2] Frei Betto, A obra do Artista – uma visão holística do Universo. Rio, José Olympio, 2011.
  • [3] Cf. James Lovelock, A vingança de Gaia. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2006.
  • [4] Frei Betto, Sinfonia universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin. Petrópolis, Vozes, 2011.
  • [5] Cf Salmos 19, 103, 104, 146 e 148, entre outros.
  • [6] Cf. Faustino Teixeira, Laudato Si: uma espiritualidade ecológica. Boletim Rede de Cristãos, Ano XXIII, Junho 2015, n. 270, p. 2. Id. IHU-Online n 462, Ano XV.